Escrita por: Amanda Kassis
Este texto contém spoilers sobre o desfecho da temporada.
"Esse lugar partirá seu coração, mas também é um lugar de milagres e a prova disso são todos vocês, que se uniram para fazer o que fazemos de melhor" a frase pertencente ao protagonista, Dr. Robby (Noah Wyle), é sobre a conclusão de um turno devastador na Emergência, mas pode muito bem definir o que essa produção se propôs a fazer — dar voz aos heróis que aqui são representados — com todo o louvor e toda a responsabilidade que 'The Pitt' assumiu desde seu primeiro episódio.
O departamento de Emergência do Pittsburgh Trauma Medical Center é o cenário da série médica mais realista que a TV já presenciou. Elogiada igualmente por profissionais da saúde e fãs, 'The Pitt' nasceu das mesmas mentes brilhantes por trás da consagrada 'ER' (NBC, 1994), que se uniram para dar voz aos socorristas e abordar os graves problemas do setor escancarados durante a pandemia. Desde a falta de médicos e enfermeiras nos hospitais à falta de segurança e salários dignos, a nova série da Max é desconfortável e agoniante — tal como a realidade que busca representar.
Ao longo de 15 episódios, um para cada hora desse plantão infernal, a audiência acompanha os diversos profissionais responsáveis por salvar vidas todos os dias — não, não somente médicos. Aqui, o roteiro valoriza desde a equipe de limpeza aos enfermeiros e técnicos. Para contar essa história, veteranos e novatos se misturam neste elenco brilhante, sob a liderança de Wyle, que revela jovens talentos enquanto celebra grandes nomes — até em pequenas participações, como a de Brad Dourif, que saiu da aposentadoria para contracenar ao lado da filha, a atriz Fiona Dourif (Drª. Cassie McKay).
A temporada começa em um dia qualquer, às 7 horas da manhã, para a troca de turno na Emergência já completamente lotada. O Dr. Robby é o chefe do departamento e, também, o coração da trama, um homem calejado pelo tempo naquelas quatro paredes, mas que retorna todos os dias por querer ajudar as pessoas. Entretanto, lembrar de cada rosto — cada nome — e importar-se tanto com cada um deles é, eventualmente, o motivo da sua queda. Ao seu lado, está a enfermeira-chefe Dana (Katherine LaNasa), que conduz o caos com pulso firme. Ainda conta com dois residentes seniors, a Drª. Collins (Tracy Ifeachor) e o Dr. Langdon (Patrick Ball), talentosos profissionais com segredos a serem revelados ao longo do dia.
O plantão marca a chegada de novos rostos que estão começando suas rotações no departamento. A série apresenta a sensível Drª. Mel King (Taylor Cranston) — residente do 2º ano —, a interna com problemas de atitude Drª. Trinity Santos (Isa Briones) e os estudantes de medicina Whitaker (Gerran Howell) e Victoria Javadi (Shabana Azeez). Aqui, o roteiro utiliza a chegada dos novatos como artifício para, sutilmente, apresentar à audiência o funcionamento da Emergência e seus principais rostos. Porém, a sutileza dura pouco em meio ao ritmo frenético que eles trabalham para salvar o máximo de pacientes possíveis.
Sangue, suor, lágrimas e intubações se misturam para contar as histórias dos pacientes que estão passando por um dos piores dias de suas vidas — em situações que nunca esperavam vivenciar. Nos 10 primeiros episódios da trama, esses pacientes são do mesmo grupo de figurantes vistos na sala de espera e que, um a um, têm seus casos apresentados. Neste ponto, a série utiliza dois recursos interessantes: primeiro, mantém empregados os mesmos atores, o que torna tudo mais realista e desenvolve melhor a química entre o elenco.
Segundo, o texto decide focar em como os médicos são afetados por esses casos. Ou seja, essa é uma história sobre profissionais da saúde — esses são os rostos que precisam ser lembrados. Ao apoiar suas lutas, eles serão capazes de dar o melhor cuidado possível àqueles que passam pelas portas deste hospital — até para aqueles que negam a importância desses avanços. O negacionismo científico é um dos principais temas da produção.
Essas lutas estão enraizadas no colapso do sistema de saúde presenciado em todo o mundo durante a pandemia. As marcas deixadas por aquele período serviram de alicerce para a criação da narrativa do protagonista: pela primeira vez, o Dr. Robby está de plantão durante o aniversário de morte do seu mentor, que faleceu após contrair o vírus da COVID-19. É a deterioração do estado mental do protagonista a cada hora — no entanto, fragilizado desde o princípio — que conduz o ritmo dessa história dilacerante. O chefe do departamento é despido de suas defesas a cada flashback, gatilho e, até mesmo, traição. O seu sistema de apoio é completamente removido: não pode contar com seus pupilos, Drª. Collins e Dr. Langdon, e nem com Dana — e muito menos com o afilhado Jake (Taj Speights), enlutado pela morte violenta da namorada.
A capacidade de se manter objetivo vai se esvaindo à medida que o Dr. Robby supervisiona os casos. Cada um revela ser mais brutal do que o anterior: um universitário com morte cerebral após uma overdose acidental, uma garotinha que se afoga ao salvar a irmã mais nova, os irmãos que têm dificuldade de deixar seu pai descansar em paz, o desespero de uma mãe que busca tratamento psicológico para seu filho… Sem a necessidade do roteiro se apoiar em situações médicas extraordinárias ou misteriosas, cada um desses pacientes se torna um rosto que o protagonista se lembrará por muito tempo.
É fundamental destacar que mesmo após décadas de serviço naquele hospital, pacientes perdidos e um sistema que lucra com a tragédia alheia, ele ainda é tão… Humano. Robby demonstra sentir profundamente. Está calejado? Com certeza. Possui defeitos? Como qualquer um. E os sinais de que precisa de ajuda são escancarados a cada episódio. Ele demonstra mais empatia por um adolescente que quer machucar garotas do que pelas possíveis vítimas. Discursa sobre o vício em drogas ser uma doença, mas não oferece ajuda ao seu amigo e residente, Dr. Langdon, após a chocante revelação de que é viciado em benzos — e rouba comprimidos — devido a uma lesão na coluna. Por sinal, o intérprete desse residente sênior nasceu para esse papel. O ator faz sua grande estreia com um personagem que ressoa com sua história pessoal: além de filho de profissionais da saúde, Ball fala abertamente sobre sua luta contra a dependência química.
De volta ao plantão, o estopim vem do pior lado do ser humano: um tiroteio em massa no Pitt Fest. Em uma crítica à crise de armas de fogo dos EUA e aos perigos da internet, ‘The Pitt' dá uma verdadeira aula de produção e atuação, apresentando, a partir do episódio 12, algumas das melhores horas de televisão dos últimos anos. Coordenando mais de 300 profissionais entre atores e membros da equipe de produção, a série decide recomeçar do zero, praticamente com um novo episódio piloto, deixando de lado um plantão já emocionalmente exaustivo para mostrar um protocolo de emergência para um evento com muitas vítimas — 112, especificamente — que testam os limites físicos e emocionais de cada personagem.
As horas que se seguem são uma verdadeira zona de guerra, tal como dito pelo Dr. Jack Abbott (Shawn Hatosy), exigindo resiliência e criatividade dos médicos, que utilizam dos recursos limitados que possuem para salvar o máximo de pessoas possível. Para travar essa batalha, médicos e enfermeiros do plantão noturno são chamados para ajudar, e a nova série da Max prova, mais uma vez, que seu trabalho minucioso de construção de personagens e de escolha de elenco é ímpar. Diante de uma qualidade tão alta, é natural a expectativa de um futuro spin-off focado no que acontece no contra-turno.
No fim, o resultado de todo esse caos só poderia ser um colapso nervoso que parte o coração ao mesmo passo que traz uma incômoda sensação de alívio. Noah Wyle chora por seu personagem, por suas dores e pelos outros. Incontáveis rostos dos heróis que dedicam as suas vidas a cuidar do próximo. Por mais que tenha hesitado em um momento de desespero, reergueu-se com ajuda de um personagem inesperado — Whitaker — e foi capaz de permanecer até o fim. Não foi fácil. Não era para ser fácil. Só não precisava ser tão difícil — e este é o ponto da trama.
Dentre todos os adjetivos que podem descrever essa produção — há uma lista extensa de sinônimos da palavra “devastadora” a serem usados — talvez o melhor termo seja “cuidado”. A série acerta isso desde a pré-produção, no ensaio dos procedimentos médicos, no trabalho do departamento de arte e até na forma como seu set foi desenhado (ele possui 360 graus!). Esse cuidado continua com seu roteiro acima da média e atinge seu ápice com a performance de cada membro à frente ou atrás das câmeras. É uma história sobre cuidar de pessoas — e ‘The Pitt’ teve todo o cuidado ao contá-la. Quantas produções atuais atingem tal feito? Não muitas, mas a indústria e a audiência clamam por mais histórias assim.
Ainda não conferiu? A 1ª temporada completa de 'The Pitt' está disponível no streaming Max. Em janeiro de 2026, a série retorna para a 2ª temporada, que abordará o feriado americano de 4 de julho.
Nota: 9,0